terça-feira, 30 de março de 2010

Cem anos de pedofilia

Olavo de Carvalho - O Globo 27/04/2002

Na Grécia e no Império Romano, o uso de menores para a satisfação sexual de adultos foi um costume tolerado e até prezado. Na China, castrar meninos para vendê-los a ricos pederastas foi um comércio legítimo durante milênios. No mundo islâmico, a rígida moral que ordena as relações entre homens e mulheres foi não raro compensada pela tolerância para com a pedofilia homossexual. Em alguns países isso durou até pelo menos o começo do século XX, fazendo da Argélia, por exemplo, um jardim das delícias para os viajantes depravados (leiam as memórias de André Gide, "Si le grain ne meurt").
Por toda parte onde a prática da pedofilia recuou, foi a influência do cristianismo — e praticamente ela só — que libertou as crianças desse jugo temível.
Mas isso teve um preço. É como se uma corrente subterrânea de ódio e ressentimento atravessasse dois milênios de história, aguardando o momento da vingança. Esse momento chegou.
O movimento de indução à pedofilia começa quando Sigmund Freud cria uma versão caricaturalmente erotizada dos primeiros anos da vida humana, versão que com a maior facilidade é absorvida pela cultura do século. Desde então a vida familiar surge cada vez mais, no imaginário ocidental, como uma panela-de-pressão de desejos recalcados. No cinema e na literatura, as crianças parecem que nada mais têm a fazer do que espionar a vida sexual de seus pais pelo buraco da fechadura ou entregar-se elas próprias aos mais assombrosos jogos eróticos.
O potencial politicamente explosivo da idéia é logo aproveitado por Wilhelm Reich, psiquiatra comunista que organiza na Alemanha um movimento pela "libertação sexual da juventude", depois transferido para os EUA, onde virá a constituir talvez a principal idéia-força das rebeliões de estudantes na década de 60.
Enquanto isso, o Relatório Kinsey, que hoje sabemos ter sido uma fraude em toda a linha, demole a imagem de respeitabilidade dos pais, mostrando-os às novas gerações como hipócritas sexualmente doentes ou libertinos enrustidos.
O advento da pílula e da camisinha, que os governos passam a distribuir alegremente nas escolas, soa como o toque de liberação geral do erotismo infanto-juvenil. Desde então a erotização da infância e da adolescência se expande dos círculos acadêmicos e literários para a cultura das classes média e baixa, por meio de uma infinidade de filmes, programas de TV, "grupos de encontro", cursos de aconselhamento familiar, anúncios, o diabo. A educação sexual nas escolas torna-se uma indução direta de crianças e jovens à prática de tudo o que viram no cinema e na TV.
Mas até aí a legitimação da pedofilia aparece apenas insinuada, de contrabando no meio de reivindicações gerais que a envolvem como conseqüência implícita.
Em 1981, no entanto, a "Time" noticia que argumentos pró-pedofilia estão ganhando popularidade entre conselheiros sexuais. Larry Constantine, um terapeuta de família, proclama que as crianças "têm o direito de expressar-se sexualmente, o que significa que podem ter ou não ter contatos sexuais com pessoas mais velhas". Um dos autores do Relatório Kinsey, Wardell Pomeroy, pontifica que o incesto "pode às vezes ser benéfico".
A pretexto de combater a discriminação, representantes do movimento gay são autorizados a ensinar nas escolas infantis os benefícios da prática homossexual. Quem quer que se oponha a eles é estigmatizado, perseguido, demitido. Num livro elogiado por J. Elders, ex-ministro da Saúde dos EUA (surgeon general — aquele mesmo que faz advertências apocalípticas contra os cigarros), a jornalista Judith Levine afirma que os pedófilos são inofensivos e que a relação sexual de um menino com um sacerdote pode ser até uma coisa benéfica. Perigosos mesmo, diz Levine, são os pais, que projetam "seus medos e seu próprio desejo de carne infantil no mítico molestador de crianças".
Organizações feministas ajudam a desarmar as crianças contra os pedófilos e armá-las contra a família, divulgando a teoria monstruosa de um psiquiatra argentino segundo a qual pelo menos uma entre cada quatro meninas é estuprada pelo próprio pai.
A consagração mais alta da pedofilia vem num número de 1998 do "Psychological Bulletin", órgão da American Psychological Association. A revista afirma que abusos sexuais na infância "não causam dano intenso de maneira pervasiva", e ainda recomenda que o termo pedofilia, "carregado de conotações negativas", seja trocado para "intimidade intergeracional".
Seria impensável que tão vasta revolução mental, alastrando-se por toda a sociedade, poupasse miraculosamente uma parte especial do público: os padres e seminaristas. No caso destes somou-se à pressão de fora um estímulo especial, bem calculado para agir desde dentro. Num livro recente, "Goodbye, good men", o repórter americano Michael S. Rose mostra que há três décadas organizações gays dos EUA vêm colocando gente sua nos departamentos de psicologia dos seminários para dificultar a entrada de postulantes vocacionalmente dotados e forçar o ingresso maciço de homossexuais no clero. Nos principais seminários a propaganda do homossexualismo tornou-se ostensiva e estudantes heterossexuais foram forçados por seus superiores a submeter-se a condutas homossexuais.
Acuados e sabotados, confundidos e induzidos, é fatal mais dia menos dia muitos padres e seminaristas acabem cedendo à geral gandaia infanto-juvenil. E, quando isso acontece, todos os porta-vozes da moderna cultura "liberada", todo o establishment "progressista", toda a mídia "avançada", todas as forças, enfim, que ao longo de cem anos foram despojando as crianças da aura protetora do cristianismo para entregá-las à cobiça de adultos perversos, repentinamente se rejubilam, porque encontraram um inocente sobre o qual lançar suas culpas. Cem anos de cultura pedófila, de repente, estão absolvidos, limpos, resgatados ante o Altíssimo: o único culpado de tudo é... o celibato clerical! A cristandade vai agora pagar por todo o mal que ela os impediu de fazer.
Não tenham dúvida: a Igreja é acusada e humilhada porque está inocente. Seus detratores a acusam porque são eles próprios os culpados. Nunca a teoria de René Girard, da perseguição ao bode expiatório como expediente para a restauração da unidade ilusória de uma coletividade em crise, encontrou confirmação tão patente, tão óbvia, tão universal e simultânea.
Quem quer que não perceba isso, neste momento, está divorciado da sua própria consciência. Tem olhos mas não vê, tem ouvidos mas não ouve.
Mas a própria Igreja, se em vez de denunciar seus atacantes preferir curvar-se ante eles num grotesco ato de contrição, sacrificando pro forma uns quantos padres pedófilos para não ter de enfrentar as forças que os injetaram nela como um vírus, terá feito sua escolha mais desastrosa dos últimos dois milênios.
Fonte: http://www.puggina.org/catolicos/news.php?detail=n1217773859.news

Este grande pensador católico já em 2002 já tinha previsto a onda de escândalos e perseguição contra Igreja.

Quando cardeal, Bento XVI quis investigar um cardeal abusador

O Cardeal Joseph Ratzinger tentou persuadir o Papa João Paulo II a montar uma investigação completa sobre um cardeal que abusou de meninos e jovens monges, revelou ontem uma das figuras mais graduadas da Igreja. Mas os oponentes de Ratzinger no Vaticano conseguiram bloquear a investigação. Como o futuro Bento XVI se expressou na ocasião: “o outro lado ganhou.”
O pervertido cardeal era Hans Hermann Groer, aposentado em 1995 como Arcebispo de Viena, depois das alegações de abusos sexuais. A fonte da história é o sucessor de Groer em Viena, Cardeal Christoph Schoenborn, um intelectual que alguns comentaristas têm etiquetado como um possível futuro Papa.
Uma revelação e tanto, no meu livro – mas ela não se ajusta ao script que os meios de comunicação anti-Bento XVI escreveram, portanto não ouvimos demasiado sobre isto. E mais, suspeito que os antigos conselheiros de João Paulo II preferem não lembrar que aquele Papa não fez o suficiente para restringir os abusos sexuais e seus encobridores. Mais seguro culpar Bento, não?
Eis uma citação de uma reportagem de Philip Pullella da Reuters:
O Cardeal Christoph Schoenborn de Viena disse domingo à televisão austríaca ORF, em defesa do Papa, que Bento XVI quis uma investigação cabal quando o antigo Arcebispo de Viena, Hans Hermann Groer, foi deposto em 1995 pela acusação de abuso sexual de um menino. Mas outros funcionários da Cúria persuadiram o então Papa João Paulo II de que os meios de comunicação haviam exagerado o caso e uma investigação só criaria mais publicidade negativa.
“[Ratzinger] disse-me, ‘o outro lado ganhou’,” revelou Schoenborn.
O outro lado. Suspeito que ele se referia à antiga panelinha vaticana à qual o Cardeal Ratzinger jamais se associou, e que não queria que casos de abusos sexuais “manchassem o bom nome da Igreja” (isto é, atrapalhassem seus jantares de “tapinhas nas costas” em suas trattorie favoritas).
E a ironia é que os jornalistas que escreveram artigos preguiçosos e cheios de ódio contra Bento XVI – como este exemplar terrível de India Knight, alguém a quem eu anteriormente admirava – estejam inconscientemente dando proteção às figuras realmente responsáveis tanto no Vaticano quanto nas conferências episcopais.
Groer, culpado até o pescoço, morreu em 2003. Eis uma reportagem da BBC de 1998:
A agência de notícias da Igreja Católica Romana na Áustria diz que o antigo Arcebispo da Viena, Cardeal Hans Hermann Groer, deve partir para o exílio, por causa de acusações de conduta sexual imprópria contra ele.
À reportagem segue uma declaração da Igreja de Viena na qual o Cardeal Groer, 78 anos, pede perdão, mas não admite a culpa.
“Nos últimos três anos, houve muito frequentemente afirmações incorretas a meu respeito. Peço perdão a Deus e às pessoas se eu tiver atraído culpa sobre mim,” diz ele na declaração.
O Cardeal Groer Cardeal aposentou-se como chefe da Igreja Católica Romana na Áustria em 1995, depois da acusação de que tinha abusado sexualmente de um aluno 20 anos antes. Depois da sua renúncia, surgiram novas alegações de que ele molestou sexualmente monges.
As acusações foram ignoradas pela hierarquia da Igreja até há dois meses quando teve início uma investigação papal. A investigação foi ordenada pelo Papa depois da apelação de líderes da igreja para que se resolvesse a situação e restaurasse a credibilidade da Igreja na Áustria.
A declaração é uma resposta ao pedido do Papa para que o Cardeal Groer se desincumba de suas obrigações e está sendo considerada como um sinal de que a investigação encontrou provas contra ele.
O correspondente da BBB em Viena diz que muitos católicos na Áustria estão amargamente divididos por causa da questão e alguns acusaram a Igreja de encobrimento.
A chancelaria do arcebispado de Viena disse que nenhuma nova medida é esperada de Roma. O correspondente diz que isto provavelmente decepcionará ainda mais os muitos católicos que pensam que Hermann Groer não deve mais ser cardeal.
Nenhuma nova medida de Roma. Por quê? Provavelmente porque, segundo o Cardeal Schoenborn – que tem algumas visões esdrúxulas, mas certamente não é mentiroso – o futuro Bento XVI tinha perdido a sua batalha para montar uma investigação adequada contra um Cardeal abusador sexual, em vez de uma reservada e inconclusiva que aparentemente se realizou. Não é de admirar que ele tenha exigido plena autoridade para investigar esses casos e tenha assumido maior responsabilidade sobre eles em 2001.
Ele está enfrentando uma situação terrível, não há dúvida sobre isto; e não há dúvida também ele tenha cometido erros: o fato de que ele tenha sido muito mais vigilante do que outros cardeais não significa que ele foi o bastante.
Mas a história mostrará que foi Bento XVI, não João Paulo II, que iniciou "a purificação" da Igreja para retirar a sua "sujeira" – para usar suas palavras, e as proferiu muito antes que esta crise atual surgisse.
Fonte: Damian Thompson’s blog
Tradução: http://oblatvs.blogspot.com/